Orientação

Prevenção familiar

Como orientar as famílias

A inclusão da família no tratamento de dependentes químicos tem sido consideravelmente estudada, no entanto, não existe um consenso sobre o tipo de abordagem a ser utilizado, dentre as várias propostas.  O modelo sistêmico considera a família como um sistema, em que se mantém um equilíbrio dinâmico entre o uso de substâncias e o funcionamento familiar.

Antes de tudo, pode-se tentar prevenir o uso indevido dos narcóticos mantendo a família bem informada sobre todos os pontos que envolvem o problema. Educação, qualidade e valorização da vida são fundamentais para  tentar evitar que a pessoa se torne um dependente.

Na perspectiva sistêmica, um dependente químico exerce uma importante função na família, que se organiza de modo a atingir uma homeostase dentro do sistema, mesmo que para isso a dependência química faça parte do seu  funcionamento e muitas vezes, a sobriedade pode afetar tal homeostase. A participação da família é essencial para adolescentes e adultos no processo de desintoxicação e reconstrução das características pessoais.  A cooperação, o guiar e o ensinar a família fazem parte do processo terapêutico no tratamento do dependente químico.

A importância da família no tratamento

A família é fundamental para o sucesso do tratamento da dependência química. Pensar que tudo se resolverá a partir de uma internação ou após algumas consultas médicas é uma armadilha que não poupa a mais sincera  tentativa de tratamento. A dependência é um problema que se estruturou aos poucos na vida da pessoa. Muitas vezes, levou anos para aparecer. Muitas coisas foram afetadas: o desempenho escolar, a eficiência no trabalho, a  qualidade dos relacionamentos, o apoio da família, a confiança do patrão, o respeito dos empregados.

Quem decide começar um tratamento se depara com os sintomas de desconforto da falta da droga e, além disso, com um futuro prejudicado pela falta de suporte, que o indivíduo perdeu ou deixou de adquirir ao longo da  sua história de dependência.

Porque a família é importante para o tratamento? Todos podem ajudar: o patrão, os amigos, os vizinhos, mas o suporte maior deve vir da família. As chances de sucesso do tratamento pioram muito quando a família não está por perto. Veja porque a família é tão importante:

  1. O dependente muitas vezes não tem a noção completa da gravidade do seu estado. Por mais que deseje o tratamento, acha que as coisas serão mais fáceis  do que imagina. Por conta disso, se expõe a situações de risco que podem levá-lo de volta ao consumo.
  2. O dependente sente a necessidade de ‘se testar’, expondo-se a situações de risco para ver se seu esforço está valendo a pena. A família deve ajudá-lo estabelecendo com o dependente, regras que  ajudem a afastá-lo da recaída. Todo o tratamento começa com um mapeamento dos fatores e locais de risco de recaída. A família deve ajudar o dependente a evitar esses locais. Isso não deve ser feito de modo policial.  Não se trata de fiscalizar. Trata-se, sim, de chamá-lo à reflexão e a responsabilidade sempre que esse, sem perceber ou se testar se expuser ao risco da recaída.
  3. O dependente sente dificuldades em organizar novas rotinas para sua vida sem as drogas. O dependente de drogas precisa de apoio para superar as dificuldades e  estabelecer um novo modo de vida sem drogas. Vários fatores interferem nessa tarefa. A pessoa pode estar fora do mercado de trabalho há muitos anos, desatualizada e sem contatos que lhe proporcionem voltar em curto  prazo. Pode ter saído da escola muito jovem e agora está pouco qualificado para um bom emprego. Há dificuldade em se relacionar com as pessoas, aguentar as frustrações, saber esperar a hora certa para tomar  a melhor atitude. A autocrítica do dependente por vezes é dura consigo. Deixa um clima depressivo e de fracasso no ar. Isso pode fazer com que os planos para o tratamento sejam deixados de lado.
  4. A família no tratamento mostra que o diálogo ainda existe.

O que pode atrapalhar a participação da família?

O dependente sabe mais sobre drogas do que a família. A família é pouco informada sobre a questão das drogas, em especial as drogas proibidas (ilícitas). A pouca informação que a família possui  vem dos meios de comunicação e de outras pessoas. Geralmente são distorcidas e sensacionalistas. O assunto é tratado de modo assustador. As drogas são apresentadas como algo demoníaco. Isso deixa os pais e  filhos longe de um entendimento. Cria-se um clima de guerra, tudo é muito terrível e ameaçador. A família deve se informar primeiro! Além disso, não deve ter medo de dizer ao dependente que não entende do  assunto. Afirmar algo sem saber o que se está dizendo, aumenta ainda mais a distância e a chances de diálogo.

A família fica sem saber qual a sua função. As drogas provocam mudanças importantes na vida familiar. Pais estão acostumados a serem os mentores dos filhos. De repente os filhos entram  num campo desconhecido. Passam a saber de coisas que os pais não têm a mínima noção. Quando o dependente é um dos pais, os filhos vêem-se em uma situação igualmente confusa: como interferir na vida  daquele que os criou e ensinou como as coisas deveriam ser? Sem saber o que fazer com sua autoridade (abalada), muitos optam pelo autoritarismo. Isso só deixa o relacionamento ainda mais deteriorado.

A família já tinha problemas muito antes da droga aparecer. Famílias com problemas podem se constituir num fator de risco para o aparecimento do consumo abusivo de drogas entre seus membros. Não  que a desestrutura seja a única causa ou a causa mais importante, mas pode contribuir. Desse modo, o tratamento da dependência passa pela avaliação da família e pela necessidade de seus membros também procurarem  orientação e tratamento. Estudos mostram que vítimas de maus tratos, a presença de consumo problemático de drogas entre os mais velhos, violência, ausência de rotina familiar e a dificuldade dos pais em  colocar limites nos filhos aumenta o risco do surgimento de dependência entre os seus membros. Desse modo, a cura passa a ser responsabilidade não só de dependente, mas de todos que o cercam.

A família culpa o dependente ou se culpa. Apontar culpa é exercer um julgamento. O veredicto de um julgamento é uma conclusão. Não precisa ser interpretado, entendido. Deve ser cumprido  e pronto. Não há mais o que fazer… Esse é um grande erro que a família comete. Se os pais ou os filhos se culpam ou culpam alguém peloque fizeram ou deixaram de fazer no passado acabou-se a possibilidade  de seguir adiante. Ninguém tem culpa da situação, mas todos podem assumir responsabilidades para solucionar o problema! A presença desse espírito por parte de todos durante o tratamento melhora as chances de  recuperação do dependente. Além disso, é uma grande oportunidade para sanar as dores e os ressentimentos que se acumularam debaixo do tapete e que agora, apesar de volumosos, ninguém quer ver.

Falta uma figura neutra. Por tudo o que já foi dito anteriormente, a análise do problema pela família e pelo dependente encontra-se distorcida. Muitas vezes pais e  filhos (não importando quem seja o dependente) confundem a inabilidade de ambos em lidar com o problema, com as dores e ressentimentos que rolaram no passado. Qualquer família erra, deixa de fazer ou mesmo traumatiza seus membros. Por outro lado também lhe dá habilidades e compensações para minimizar ou superar essas perdas. Esse não é um  caminho frutífero. Se a conversa não é mais possível, ou se só é possível dessa maneira, é sinal que chegou a hora de buscar uma figura neutra. Ela pode ser o profissional capacitado, que se incumbirá de dar o tom  do tratamento e ouvirá os dois lados. Antes de chegar ao tratamento, outras figuras neutras importantes podem ser evocadas para facilitar o processo: um tio respeitado por todos, um amigo, o líder da comunidade,  o padre, o pastor, enfim pessoas que gozem da confiança de todos os membros da família.

Para ler e refletir…

A família no tratamento significa buscar um novo elo entre os seus membros. Um novo casamento, uma nova criação dos filhos, uma nova imagem do pai e da mãe. O caminho novo a seguir é incerto e por isso sujeito  a erros. Muitos erros surgirão. Impossível não errar dentro de uma situação tão complexa como essa. Aliás, só não cometem erros aqueles que nada tentam… A todo instante tais erros precisam ser conversados, discutidos  a fundo entre os membros e a equipe profissional que os assiste. Tratar o dependente não se resume à busca pela abstinência. É também a  construção de um novo estilo de vida. Para o dependente e para a família (Fonte: Einstein Álcool e Drogas).

Características presentes em famílias de dependentes químicos

O impacto que a família sofre com o uso de drogas por um de seus membros é correspondente as reações que vão ocorrendo com o sujeito que a utiliza. Este impacto pode ser descrito através de quatro estágios pelos quais a família  progressivamente passa sob a influência das drogas e álcool:

  1. Na primeira etapa, é preponderantemente o mecanismo de negação. Ocorre tensão e desentendimento e as pessoas deixam de falar sobre o que realmente pensam e sentem.
  2. Em um segundo momento, a família demonstra muita preocupação com essa questão, tentando controlar o uso da droga, bem como as suas consequências físicas e emocionais, no campo do trabalho e no convívio s ocial. Mentiras e cumplicidades relativas ao uso abusivo de álcool e drogas instauram um clima de segredo familiar. A regra é não falar do assunto, mantendo a ilusão de que as drogas e álcool não estão causando  problemas na família.
  3. Na terceira fase, a desorganização da família é enorme. Seus membros assumem papéis rígidos e previsíveis, servindo de facilitadores. As famílias assumem responsabilidades de atos que não são seus e assim o dependente  químico perde a oportunidade de perceber as consequências do abuso de álcool e drogas. É comum ocorrer uma inversão de papéis e funções, como por exemplo, a esposa que passa a assumir todas as  responsabilidades de casa em decorrência do alcoolismo do marido, ou a filha mais velha que passa a cuidar dos irmãos em consequência do uso de drogas da mãe.
  4. O quarto estágio é caracterizado pela exaustão emocional, podendo surgir graves distúrbios de comportamento e de saúde em todos os membros. A situação fica insustentável, levando ao afastamento entre os  membros gerando desestruturação familiar.

Embora tais estágios definam um padrão da evolução do impacto das substâncias, não se pode afirmar que em todas as famílias o processo será o mesmo, mas indubitavelmente existe uma tendência dos familiares de se  sentirem culpados e envergonhados por estarem nessa situação. Muitas vezes, devido a esses sentimentos, a família demora muito tempo para admitir o problema e procurar ajuda externa e profissional, o que corrobora para  agravar o desfecho do caso. O ideal é que toda a família tenha acompanhamento psicológico.


Este material foi baseado em:
ZAITTER, Menyr Antonio Barbosa; LEMOS, Meillyn Hasenauer Zaitter. Psicologia aplicada à reabilitação. Curitiba: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná, 2011.

Última atualização: quinta, 20 jan 2022, 14:56