Avaliação

Psicologia Aplicada à Reabilitação

Encaminhamento se necessário

Em busca da cura

A maioria dos estudos revela que as pessoas que pedem auxílio tentarão melhorar em termos de intensidade ao uso da droga e em termos de ajustamento social durante os meses que se seguem ao tratamento. Entretanto,  mesmo formas de tratamento muito intensas e dispendiosas não parecem assegurar essa melhora. Se fizermos ajustamentos para as características de pessoas que entram em diferentes programas de tratamento, a melhora tanto  pode ocorrer com um tratamento breve e simples como um tratamento mais complexo e caro.

Psicoterapia

O tratamento psicológico pode auxiliar e/ou complementar o tratamento psiquiátrico/medicamentoso e/ou funcionar como suporte motivacional e auxiliar na manutenção da abstinência. O psicólogo pode seguir diferentes  linhas e independente da linha que siga irá sempre procurar trabalhar o lado emocional ligado ao problema sem receitar medicamentos. Muitas linhas psicológicas consideram a família do paciente um componente importante  do tratamento e por isso o seu envolvimento é bastante frequente. Existem diversos tipos de tratamentos psicológicos, em grupo ou individuais, que atendem às diferentes necessidades/características das pessoas. A linha mais  utilizada atualmente é a chamada cognitiva. Pode-se usar também a linha comportamental, com treinamento de habilidades, entre outras. A psicanálise clássica, não se mostrou eficaz. É importante deixar claro que, se o  paciente precisar ser medicado ou passar por uma desintoxicação deverá procurar um psiquiatra.

As técnicas especiais, como as várias psicoterapias, podem, em algum momento, prestar uma importante contribuição a um programa de tratamento individual. No entanto, é vital prestar-se atenção a gama sutil e importante  de acontecimentos que ocorrem sempre que um paciente e um terapeuta se encontram e começam a interagir – o que, quando e como do que é sentido e dito e feito entre eles.

O trabalho terapêutico só terá probabilidade de dar resultado se seus esforços estiverem de acordo com as reais possibilidades de mudança do indivíduo, de sua família e de seu ambiente social. O trabalho básico da  terapia diz respeito aos estímulos e apoio ao movimento através dessas vias “naturais” da recuperação. O trabalho básico do tratamento requer um imenso respeito pelos ganhos e a terapia sempre deve ser adequada às  necessidades individuais.

A relação entre paciente e terapeuta é fundamental, seja para aquilo que pode se conseguir a cada sessão terapêutica, seja para as modificações que podem ser conseguidas ao longo do tempo. Essa relação começa a ser construída  no primeiro momento do contato, desenvolve-se durante a entrevista ou as entrevistas de avaliação. É necessária para a eficácia do aconselhamento  inicial e para o estabelecimento de objetivos e continua daí em diante, como o componente basicamente mais importante da terapia. “O que se  diz” importa, mas não pode ser abstraído dos sentimentos das pessoas que estão realizando o falar e ouvir. 

A manutenção da continuidade dos propósitos.

Tanto o paciente como o terapeuta devem manter um sentido de progresso e não perder de vista seus objetivos. Existem alguns caminhos como:

  • Utilizando-se a formulação inicial e o estabelecimento de objetivos.
  • Conferindo-se os avanços.
  • Estabelecendo-se a próxima tarefa em curto prazo.
Clínica ambulatorial

O tratamento da Dependência Química é um processo que conta com várias ações: psicoterapia, medicamento, internação etc.

Entretanto não são todas as pessoas que necessitam de todas as ações. O tratamento deve ser individualizado, ou seja, ele deve ser projetado de acordo com as necessidades do paciente e da família. Tratamento do tipo “pacotes”,  nos quais todos os pacientes passam pelas mesmas ações invariavelmente e independentes da substância que usem, dos problemas que têm ou da gravidade da dependência, podem funcionar para um subgrupo de  pessoas, mas não para todas. Não existe um tratamento único que atenda a todos os dependentes químicos. O terapeuta deve avaliar cuidadosamente cada caso, discutir com o jovem e com a família o plano de tratamento mais  adequado. Alguns precisarão tomar medicamentos, outros não. A grande maioria não precisa ser internada, mas alguns precisam. Outros terão como indicação uma psicoterapia, ou terapia familiar, assim por diante. Só o terapeuta p ode discutir com o cliente qual é a melhor opção para ele.

Quanto à Modalidade Ambulatorial: na maioria das vezes deve-se começar um tratamento pelo ambulatório. Pelo senso comum estabeleceu-se uma cultura de que tratamento de dependência química é sinônimo de internação. Tal atitude  deixa muitos jovens com medo de ir ao médico ou ao psicólogo porque acham que já vão começar internando. A internação involuntária só pode ser realizada se houver risco de vida para o paciente ou terceiros. O tratamento  ambulatorial é o tipo mais acessível de tratamento, não só pelo seu menor custo, como pelas “vantagens” que ele apresenta. Ao contrário do que se imagina o tratamento ambulatorial, pode também ser efetivo quanto à internação, pois  procura tratar a pessoa sem tirá-la do ambiente no qual ela vive e nem afastá-la das tarefas do dia-a-dia. Também é possível desenvolver com o paciente um tipo de atendimento mais longo que inclua reinserção social, prevenção de  recaída, etc. Quando o paciente é encaminhado para um serviço ambulatorial, a família deve estar envolvida no tratamento sendo que o paciente deve ter consciência da sua responsabilidade no processo. O educador deve, neste momento,  orientar a família com relação à importância do problema e funcionar como retaguarda do paciente, acolhendo-o sempre que necessário.

Hospital

A internação hospitalar é feita quando o profissional, que orienta o atendimento, percebe que a pessoa corre risco de vida, ou está colocando em risco a vida de terceiros, quando a própria pessoa prefere ser internada para se submeter  ao tratamento, quando as tentativas ambulatoriais falharam, quando não tem uma rede de apoio familiar e social que o ajudará a ficar sem droga. 

A internação pode variar de alguns dias até 6 meses, dependendo da necessidade do paciente. Internações acima de seis meses não são mais eficazes que as internações mais curtas. Preferencialmente a internação deve se  restringir ao período de crise e ser o mais breve possível. Há os recursos das semi-internações que são o Hospital Dia onde, o paciente passa o dia no hospital e dorme em casa.

Entre as modalidades de tratamento das farmacodependências, a internação é frequentemente considerada como um dos procedimentos mais eficazes, indicado sobretudo nos casos mais graves. É habitual que, já no primeiro contato  com o profissional de ajuda, os familiares de dependentes químicos manifestem a intenção de que o tratamento transcorra em regime de internação.

A internação do dependente químico pode efetivamente constituir recurso terapêutico privilegiado, desde que sua indicação seja procedente. Diversos abusos vêm sendo cometidos nesta área, tais como internação compulsória

indiscriminada de dependentes, internação de caráter punitivo, internação de usuários ocasionais de drogas, etc.

Desta forma, cabe a definição clara e objetiva dos procedimentos envolvidos na opção pelo tratamento dos farmacodependentes em regime de internação.

Propostas

  1.  Nas internações, devem ser obedecidos rigorosamente os critérios da Organização Mundial da Saúde bem como os da instituição na qual se dará o ato da internação;
  2.  Quando existirem casos de mais de um diagnóstico, ressalta-se a importância do diagnóstico apropriado em todos os seus componentes e com tratamento adequado;
  3.  Em todos os procedimentos de internação, os critérios e prescrições médicas devem ser seguidos rigorosamente quando da utilização de medicação;
  4.  Durante a internação, deve ser sempre mantido o critério de abstinência das drogas de adição que motivaram tratamento, quando este for um critério básico da instituição que realiza a internação;
  5.  A internação involuntária poderá ocorrer exclusivamente se a pessoa estiver correndo risco de vida ou proporcionando este risco a alguém;
  6.  É fundamental a apresentação na triagem de um programa básico com suas características definidas e programa de tratamento. Na alta, será fornecido pela equipe um parecer sobre o paciente. No momento da  triagem não é necessário o parecer do médico;
  7.  Quanto às características institucionais, serão aquelas que atendam ao perfil do tratamento proposto, além de contemplar as exigências da legislação vigente para cada instituição;
  8.  Quando da internação da criança e adolescente, que estes possam ser recebidos pela instituição, mas que no prazo máximo de 24 horas, seja dada ciência ao conselho tutelar, ao juiz e à família.
Comunidade terapêutica

Comunidades terapêuticas: mecanismo eficiente no tratamento de dependentes químicos.

O papel exercido pelas comunidades terapêuticas no tratamento psicossocial dos dependentes químicos tem sido muito importante, tanto em nível mundial  como no Brasil. No decorrer dos últimos anos, com o crescente consumo de drogas, houve uma grande expansão dessas comunidades no país. Os principais problemas  encontrados nessa expansão são a má qualidade de atendimento prestado por algumas comunidades e a falta de adequação para abrigar os dependentes  em busca de tratamento. 

Indivíduos dependentes de cocaína, álcool, opioides, múltiplas substâncias podem obter benefícios com o tratamento de longa permanência nas chamadas comunidades terapêuticas. Esses estabelecimentos são, geralmente,  reservados para indivíduos com baixa probabilidade de beneficiar-se do tratamento ambulatorial, como por exemplo:

  1.  História de múltiplas falhas no tratamento ambulatorial ou internações curtas; 
  2.  Grande prejuízo na capacidade de ressocialização e na habilidade para obter e manter atividade laboral; 
  3.  Necessidade de ambiente altamente estruturado para a modificação do estilo de vida.

Trata-se de uma das várias formas de abordagem para pacientes dependentes de substâncias, cuja indicação/recomendação deve ser adequada.

Muitas vezes, ao invés de ver o uso inadequado de substâncias psicoativas como uma doença (relativo ao modelo médico de doença), os programas das comunidades terapêuticas costumam considerar o consumo de substâncias  como um comportamento desviado, ou seja, um sintoma do desenvolvimento inadequado da personalidade, relacionamentos sociais, habilidades sociais e econômicas.

As comunidades terapêuticas devem propor a reabilitação individual, social, e vocacional através de programas altamente estruturados, contando com profissionais capacitados e treinados em intervenções comportamentais relacionadas  às dependências químicas.

Alguns dos elementos teóricos centrais das comunidades terapêuticas são:

  1.  Revelar métodos adequados para proporcionar a modificação comportamental; 
  2.  Elaborar atividades que favoreçam o desenvolvimento da auto-estima e confiança dos seus membros; 
  3.  Proporcionar uma estrutura com membros com papéis adequadamente definidos; 
  4.  Apresentar um sistema que proporcione limites e recompensas, sempre adequadas; 
  5.  Utilizar a comunidade como um meio de aprendizagem social; 
  6.  As comunidades devem ter regras, normas e um sistema de valores adequados para a modificação do estilo de vida; 
  7.  Ter um processo de tratamento voltado para a reinserção social; 
  8. Apresentar um “curriculum” que ensine os membros da comunidade os elementos, processos e métodos para a manutenção da sobriedade, saúde e estilo de vida seguro.

As comunidades terapêuticas tradicionais mantêm uma política de “portas abertas” em relação à admissão no tratamento residencial. Isso, geralmente, gera um grande número de “candidatos” para o tratamento, embora as  motivações sejam bastante variadas. Segundo algumas das regras das comunidades terapêuticas, a “idoneidade” e o “risco para a comunidade” são avaliados pelos coordenadores.

A “idoneidade” refere-se ao grau em que o paciente pode cumprir com as demandas do regime instalado e integrar-se nesse sistema. Aqui incluem aspectos como participação nos grupos, cumprimento dos trabalhos designados  e convivência com normas e regras. O “risco para a comunidade” refere-se ao grau de periculosidade representado pelo paciente para aquela comunidade. Alguns dos critérios para exclusão dos pacientes em algumas  das comunidades são: tentativas de suicídio, transtornos psiquiátricos graves (psicoses) e condutas antissociais permanentes.

As comunidades terapêuticas têm a sua regulamentação técnica estabelecida pela ANVISA – Resolução – RDC nº 101 de 30/05/2001. Elas são definidas como “serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso  ou abuso de substâncias psicoativas, em regime de residência ou outros vínculos de um ou dois turnos, segundo modelo psicossocial.

São unidades que têm por função a oferta de um ambiente protegido, técnica e eticamente orientados, que forneça suporte e tratamento aos usuários abusivos e/ou dependentes de substâncias psicoativas, durante período estabelecido  de acordo com programa terapêutico adaptado às necessidades de cada caso. É um lugar cujo principal instrumento terapêutico é a convivência entre os pares. “Oferece uma rede de ajuda no processo de recuperação das  pessoas, resgatando a cidadania, buscando novas possibilidades de reabilitação física e psicológica e de reinserção social”.

Como qualquer estabelecimento de saúde, deve estar devidamente licenciado pela autoridade sanitária competente do Estado ou Município em que está instalado. Também, como estabelecimento de saúde, deveria ser registrado  no Conselho Regional de Medicina do Estado. A resolução do Conselho Federal de Medicina nº 997/80 criou nos Conselhos Regionais e no próprio Conselho Federal os Cadastros Regionais e o Cadastro Central dos  Estabelecimentos de Saúde de direção médica.

Mais recentemente, a resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1716/04, que objetiva garantir a fiel execução de resolução e leis anteriores, determina, dentre outros fatores:

  1.  A inscrição nos CRM de empresa, entidade, instituição ou estabelecimento prestador e/ou mediador de assistência médica dar-se-á através do cadastro ou registro, obedecendo-se às normas emanadas dos Conselhos  Federal e Regionais de Medicina; 
  2.  O cadastro ou registro de empresa, instituição, entidade ou estabelecimento deverá ser requerido pelo profissional médico responsável técnico, em requerimento próprio, dirigido ao conselho regional de medicina da  sua jurisdição territorial;
  3.  O diretor técnico responde eticamente por todas as informações prestadas perante os Conselhos Federal e Regionais de Medicina.

Emana-se dessa resolução que, para receber autorização dos conselhos de Medicina, necessariamente o estabelecimento de saúde terá que ter Diretor ou Responsável Técnico, sempre médico.

Reconsiderando a Regulamentação da ANVISA acerca das comunidades terapêuticas, não há qualquer determinação de cadastro ou registro em Conselhos de Medicina para funcionar como estabelecimento de saúde. Existe  a conceituação 2.2 que determina que a “responsabilidade técnica pelo serviço junto ao órgão da Vigilância Sanitária dos Estados, Municípios e do Distrito Federal deve ser de técnico com formação superior na área de saúde  e serviço social”.

No entanto, considerando que as Comunidades Terapêuticas propõem o tratamento de pacientes dependentes químicos, os quais frequentes vezes apresentam sintomas de síndrome de abstinência e outras doenças físicas e psiquiátricas,  acredito ser necessária a presença de profissional médico especializado.

Religião

A religião é um caminho, um limite, é essencial para a vida do dependente e de sua família. Será que quando estou rejeitando seguir uma religião, seja ela qual for não estou de alguma forma querendo viver esta dimensão da  vida sem limites?

Alguns adictos se convertem verdadeiramente durante a internação. Ao retornar ao lar, estão cheios de Deus e de esperanças em uma vida nova. No entanto, muitas vezes, encontra em casa um ambiente hostil com mágoas,  ressentimentos, agressões verbais, lembranças passadas, carregado de insegurança e desconfiança.

Algumas famílias chegam até a desconfiar da conversão ou nem conseguem compreender, principalmente se não possuem uma vida de oração. E esta incompreensão, pode abrir as portas para uma recaída posterior.

A família do dependente precisa de tratamento e de conversão tanto quanto ele porque a droga desestrutura o relacionamento entre as pessoas e deixa marcas emocionais e comportamentais profundas nos membros da família,  marcas estas que somente Deus pode curar e libertar.

A família, em diversos casos, considera que pequenos momentos de espiritualidade são suficientes ou quem sabe até desnecessários, pois acreditam que somente através do grupo que o indivíduo obterá um bom resultado.  É importante ressaltar que o grupo os fortalece emocionalmente (trabalha a mudança de comportamento), mas precisam do fortalecimento espiritual para encontrar força, sabedoria, coragem e perseverança para praticar o  que o lhes é proposto. E esta força, é encontrada praticando uma religião. O apoio do grupo religioso é muito importante para o crescimento espiritual. 

Talvez o baixo índice de recuperação esteja nesta discrepância que existe na intensidade do tratamento do dependente e o tratamento da família.

Quando o dependente sai de uma internação, ele precisa buscar em primeiro lugar a Deus para que possa ter: força (para dizer não as drogas, a cada momento), coragem (para enfrentar desafios, trabalho, estudo, e possíveis frustrações), perseverança (para não desistir diante das dificuldades), sabedoria (para lidar consigo mesmo e com as pessoas, principalmente quando  desconfiarem dele; o dependente tem uma tarefa difícil que é recuperar a confiança das pessoas), discernimento (para escolher novas amizades e lugares que deve frequentar), alegria (a verdadeira alegria brota do nosso  relacionamento íntimo com Deus, a alegria é um dom de Deus).

Não são poucos os obstáculos e desafios que fazem parte da sua volta para casa e da sua reinserção na vida social. Uma espiritualidade definida e fortalecida não elimina as possibilidades de recaída, mas, com certeza diminui  bastante os riscos.

(Por Regina – Voluntária do Grupo São João Bosco de Amor-Exigente – São José dos Campos – SP)

Pouco está descrito a respeito dos “tratamentos” religiosos de reabilitação realizados nas Igrejas, apesar de, no Brasil, haver uma observação leiga e midiática apontando para os aspectos positivos desse tipo de intervenção.

Quando se consideram os temas relativos à espiritualidade e à religiosidade no tratamento da dependência de drogas, nota-se nitidamente a preferência dos pesquisadores em estudar o papel dos grupos com base espiritual, mas  não religiosa, como os alcoólicos anônimos (AA).

A maioria dos estudos baseados nos programas de tratamento realizados por Igrejas fundamenta-se na corrente protestante, visto que ela foi a pioneira nessa área de atuação logo após a Segunda Guerra Mundial, implementando  programas de recuperação nas igrejas evangélicas de Chicago e New York (BROWN, 1973). Desde a década de 1960, no entanto, a igreja católica também se mostrou uma fornecedora de “tratamento” e reabilitação da  dependência de drogas, embora a maior parte dos programas religiosos para o referido tratamento estude de forma pouco criteriosa a avaliação das suas metodologia e eficácia (Gorsuch, 1995). Nas populações mais pobres, em  particular nas quais a religião influencia as questões sociais, como é o caso de Porto Rico, os tratamentos religiosos oferecidos pelas igrejas evangélicas, com base na fé e sem a intervenção médica, têm ganhado espaço e aumentado  em número de igrejas e adeptos (HANSEN, 2004).

Independente da religião professada observa-se um forte impacto da religiosidade e da espiritualidade no tratamento da dependência de drogas, sugerindo que o vínculo religioso facilita a recuperação e diminui os índices de  recaída dos pacientes submetidos aos diversos tipos de tratamento (PULLEN et al., 1999). Dentro de um grupo dos narcóticos anônimos (NA), observou-se que um melhor índice de recuperação estava associado a uma prática religiosa  formal diária, evidenciando que aqueles que, além de frequentarem as reuniões do grupo de mútua ajuda, tinham um vínculo com alguma religião, apresentavam mais sucesso na manutenção da sua abstinência (DAY et al.,  2003). A uma conclusão semelhante chegaram Turner et al. (1999) que, no seu estudo com uma população exclusivamente de mulheres em recuperação, enfatizaram a importância da associação de um programa de 12 passos  a uma prática religiosa regular.

Alguns autores chegam a afirmar que a simples ida à Igreja contribui para a diminuição do consumo de drogas como a cocaína, sem necessariamente nesses locais existir um tratamento formal. No entanto, quando associados  aos grupos dos 12 passos, a eficácia parece ser maior (RICHARD et al., 2000).

Já em um programa de substituição de heroína pela metadona, realizado pelo governo norte-americano, verificou-se que os pacientes que apresentavam maiores índices de espiritualidade e que tinham o suporte de uma entidade religiosa (Igreja) foram os que apresentaram o maior tempo de abstinência em relação às drogas ilícitas. Esse fato sugeriu que a religiosidade fosse preditora da abstinência nos grupos de dependentes de heroína  (AVANTS et al., 2001). Também entre os pacientes em tratamentos de substituição pela metadona, em um estudo exploratório qualitativo, foi constatada a importância dada por essa população às questões espirituais. O tema  emergente nas entrevistas foi o senso de força e a proteção que percebem na prática religiosa, o que os faz valorizar um possível tratamento com base na sua própria espiritualidade (ANORLD et al., 2002).

Utilizando uma escala de transcendência espiritual, validada para a população norte-americana, com a finalidade de medir o envolvimento pessoal com questões sagradas e divinas, Piedmont (2004) observou que as maiores  pontuações dentro de conexões com a divindade, por exemplo, na forma de xpreces, estavam associadas ao maior sucesso na recuperação dos usuários de droga em tratamento médico convencional.

Apesar de pouco comum, alguns autores arriscam teorias que sustentam um possível mecanismo do papel da religiosidade na recuperação do usuário de drogas e no controle da recaída, sugerindo que o aumento do otimismo, a  melhor percepção do suporte social, a maior resiliência ao estresse e a diminuição dos níveis de ansiedade seriam responsáveis pelo sucesso desses programas (PARDINI et al., 2000). Já para Barrett et al. (1988) esse mecanismo  estaria muito mais relacionado às questões sociais, como a ressocialização do jovem pela reestruturação da sua rede de amigos, colocando-o em um ambiente mais saudável e sem a oferta de drogas.

Segundo Carter (1998), a chave de uma recuperação de longo tempo, ou seja, aquela com mais do que cinco anos de abstinência, está diretamente relacionada ao desenvolvimento da espiritualidade do paciente e, das pessoas  que frequentam os grupos de AA, 34% conseguem atingir a abstinência de longo prazo. No entanto, o autor sugere que sejam feitas pesquisas qualitativas que possam desvendar o papel real dessa espiritualidade na recuperação  da dependência de drogas.

Paralelo a isso, Pardini et al. (2000) ressaltaram que, enquanto há uma quantidade mínima de pesquisas científicas analisando o real impacto e o mecanismo da religiosidade no tratamento dos dependentes de drogas, muitos  investigadores teorizam tais fatores baseados nas próprias crenças e nos resultados quantitativos indiretos, o que sugere a necessidade de pesquisas qualitativas para a compreensão do fenômeno.

Dentro da linha qualitativa, um recente estudo brasileiro tentou esclarecer os mecanismos da intervenção religiosa proposta pelas três maiores religiões brasileiras: o catolicismo, o protestantismo e o espiritismo. Foram entrevistados  em profundidade 90 indivíduos que haviam se submetido a intervenções religiosas (não-médicas) para curar a sua dependência de drogas. As conclusões apontaram diferenças no suporte ao dependente de drogas oferecido  por cada grupo. Os evangélicos foram os que mais utilizaram o recurso religioso como forma exclusiva de tratamento, apresentando forte repulsa ao papel do médico e a qualquer tipo de tratamento farmacológico. Também  foram eles os que descreveram a maior intensidade na crise vivida, relacionada especialmente às drogas ilícitas. Os espíritas foram os que buscaram mais apoio terapêutico em relação à dependência de drogas lícitas em simultâneo c om um tratamento convencional, o qual ocorria e podia ser realizado devido ao maior poder aquisitivo desse grupo. O que há de comum em todos os tratamentos é a importância dada à oração, que é a conversa com Deus,  como o método para controlar a fissura pela droga, que atua como forte ansiolítico. Para os evangélicos e os católicos, a confissão e o perdão, respectivamente, pela conversão (fé) ou pelas penitências, exercem forte apelo à  reestruturação da vida e ao aumento da autoestima.

O que manteve os participantes deste estudo na instituição religiosa e na abstinência do consumo de drogas foi a admiração pelo bom acolhimento recebido, a pressão positiva do grupo e a oferta de uma reestruturação da  vida com o apoio incondicional dos líderes religiosos. Além disso, a religião lhes oferece condições de refazer os seus vínculos de amizade, por meio da realização de diversas atividades ocupacionais voluntárias, facilitando assim  o seu afastamento da droga e dos seus companheiros vinculados a ela (SANCHEZ, 2006).

Perante a falta de informações, ainda há muito a estudar no campo dos mecanismos da atuação da religiosidade no tratamento da dependência de drogas, o que torna esse um campo frutífero para futuros estudos.

Vale ainda destacar que, apesar de as religiões cristãs serem adeptas da abstinência completa de todas as drogas psicotrópicas, no Brasil, as religiões sincréticas como o Santo Daime e a União do Vegetal vêm ganhando terreno  na prestação de serviços de saúde pela utilização de uma droga psicotrópica. Elas não trabalham apenas com a fé, mas associam a esta a ingestão do chá alucinógeno de ayahuasca (Banisteriopsis caapi e Psychotria viridis) a fim de  combater os mais variados males orgânicos e emocionais, entre os quais está a dependência de drogas (DOERING-SILVEIRA et al., 2005; BARBOSA et al. 2005).

Segundo Doering-Silveira et al. (2005), a evidência de que diversos jovens deixaram de consumir cocaína e crack após aderirem à União do Vegetal sugere que o chá tenha utilidade terapêutica no tratamento das desordens  de dependência, embora os autores sugiram que sejam realizados estudos longitudinais que permitam melhor avaliação de tal suposição.

Referências:

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Este material foi baseado em:
ZAITTER, Menyr Antonio Barbosa; LEMOS, Meillyn Hasenauer Zaitter. Psicologia aplicada à reabilitação. Curitiba: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná, 2011.

Última atualização: quinta, 20 jan 2022, 14:56